Vazio

Que pare a música
que o sol deixe de brilhar
choro por meu amor perdido
que se foi com o luar

que os grãos de areia, dispersos,
se percam no mar
que o oceano seque
que a gaivota pare de voar

que as estrelas se apaguem
e para sempre reine a escuridão
que reine esse vazio
que tenho no coração

que se acabe o mundo
que se congele o ar
que o céu inteiro desabe
que a terra deixe de girar

que as gotas cristalizem
que se guarde silêncio eterno
que se queimem as matas
que se abra o inferno

que se derreta o sol
que se esfacele a lua
que as trevas da noite
rastejem pela rua

que seque a luz dos meus olhos
que seja cego meu olhar
meu amor foi embora
para nunca mais voltar

(Escrito por Zailda Coirano)

Face hedionda

Cai a máscara, desce o pano
enfim mostras a face hedionda
jazes entre cinzas, fantoche humano
nesta tua frágil e inútil ronda

Apaga o passado que te trai
e arranca da vida o que mereces
enquanto meu peito em sangue esvai
teu castigo supremo enfim, padeces

Vai, alma de fugidio segredo
sepultar culpa, aplacar teu medo
embeber teu sonho em lágrima fria

Nas tuas mãos fui o teu brinquedo
mas teu coração, inescalável rochedo,
em mil chagas há de arder um dia.

(Escrito por Zailda Coirano)

Criatura

Ainda arde na face o bofetão que deste
ainda agoniza o seio onde cravaste o punhal
mas lançam teu castigo os anjos celestes
te dei amor e me pagaste com o mal

Ignoraste meu clamor queixoso
ofuscaste a beleza de um amor tardio
arrancaste, de um só golpe poderoso
e deixaste apenas um coração vazio.

Afogaste a lágrima em lúgubre veneno
e devolveste apenas teu coração pequeno
enlameaste meu sonho de doce ternura.

Carregas na alma o castigo pleno
e hás de padecê-lo, agora te condeno
lambe o chão onde rastejas, pérfida criatura.

(Escrito por Zailda Coirano)

Amanhã

Amanhã quero abrir a janela
sentir o sol da manhã
beijar as flores macias
esquecer as imagens sombrias
ver os pássaros derramando
seu canto pelos jardins
abrir minhas cortinas
te encarar sem medo, amanhã

Mas hoje a alma tão fria
estertora, vazia
irrompe em agonia

Amanhã quero descer as escadas
e ver os rostos carentes
de afeto, reluzentes
ouvir o sol da manhã
romper pela luz do dia
esquecer a paisagem vadia
comer do fruto
e beijar a flor

Mas hoje o coração dispara
acelera, estala
se arrasta na sombra de fel

Amanhã quero abrir a cortina
ver água cristalina
a borboleta no mato
o pássaro na escada
saltitante, carente
o sol cantar mais um dia

Mas hoje
a alma em estertores, fel
o coração agoniza
espera, amor
espera chegar a manhã

(Escrito por Zailda Coirano)

Espera

Tenebrosa noite de olhar castanho
que me traga em seus braços
mal cai o sol
a ver-te, qual fantasma em sonhos
assombrando-me a escuridão do quarto
levantando-se ante mim
em monstruosas vagas de saudade
doce quimera
que me alucina
em vão estendo a mão
tento alcançar-te
mas já te afastas, galopante
em meu pesadelo de loucura
minha alucinada espera de paixão
minha carne que te reclama
se contorce
em sonhos, pesadelos
nefastos, dolorosos
de entrega e espera
lábios, mãos, peles se confundem
em fantasmagórica agonia

(Escrito por Zailda Coirano)

Enquanto dormes

Enquanto dormes tão distante
meu espírito vela teu sono
te beijo com a luz do luar
um beijo doce com sabor de mel
e hortelã
te toco com a brisa
que acaricia teu corpo amado
dolorosamente longe
te sussurro palavras de amor
quentes ao ouvido
nas gotas de orvalho
que voam sorrateiras
por tua janela aberta
de madrugada me despeço
no cantar do passarinho
que derrama seu canto
na aurora que galopa
te aceno “até breve”
nas asas da borboleta
que acaricia as flores
do teu jardim
tão longe e tão perto
tão perto mas tão longe

(Escrito por Zailda Coirano)

Ensaio sobre o pecado

Pecado é haver tantas crianças sem pai nem mãe,
vagando pelas ruas, nuas de afeto
cheirando cola, vivendo de vento
limpando o parabrisa, vivendo de brisa
cheirando cola, dormindo no asfalto
morrendo no asfalto
morrendo de cola, morrendo de fome
com fome de cola, com fome de mãe
com fome de pai
vendendo drops, cheirando cola
dormindo na rua, sem pai nem mãe
sem nome, sem teto, sem chão
dormindo no chão, pedindo um pedaço de pão
pra matar a fome, pra comprar a cola
fugindo da escola
dormindo na calçada, morando na rua
vendo a vida passar
no parabrisa
a vida acabar no asfalto
morrer na calçada
cheirando cola
passando fome
cheirando gente
sem nome, sem pão
sem pai

(Escrito por Zailda Coirano)

Hoje eu vou te amar

Hoje eu vou te amar
e visto-me assim, lentamente
na dolorosa espera
dos beijos teus
meu corpo latejante anseia
por ser tomado, invadido,
subjugado ao peso do teu
levado em suspiros arquejantes
em ondas de desejo e prazer.

Deslizo a meia de seda
que será arrancada, rasgada
num rompante de fúria e paixão
ou tirada aos poucos, entre beijos
que descrevem, ávidos, um caminho
em minha pele latente, carente
com carícias loucas e por fim
ela ficará num canto, abandonada
esquecida entre gemidos de prazer.

Cubro meus seios com rendas finas
onde os mamilos se acomodam, inquietos
esperando sôfregos por teus lábios
desejando ser aprisionados entre dentes
dançar na tua boca
arquejar e entumescer de tesão
e meus olhos cerrados, lacrados,
o gemido de prazer preso na garganta
e assim as rendas se vão.

Entrego meu corpo à carícia
da calcinha vermelha
cor da minha paixão, da minha entrega
onde aos poucos teus lábios
e tua língua sedenta
exploram cada pedaço de desejo
em beijos encharcados de posse insatisfeita
de amor que chega de longe
com cheiro de volúpia e de mar
E abre com carícias plenas
descreve círculos ardentes
fustigando o centro do meu desejo
e me faz explodir, demente
em luzes incandescentes
um mar de prazer e espasmos de paixão.

(escrito por Zailda Coirano)

Gota

gota
perfeita
lacre
da alma
rompe
jorra
serpenteia
reluz
escorre
brota
da alma
ferida
sofrida
alquebrada
que sofre
contorce
dói
chora
gota
de lágrima

(escrito por Zailda Coirano)

Como eu te amo

Te amo
com a pureza das crianças
a grandeza da luz do sol
a certeza do amanhã
a força da tempestade
a urgência dos desgarrados
o desespero das almas malditas
a agonia do pio da coruja
a pressa dos amantes

Te quero
com a pureza dos errantes
a grandeza do amanhã
a certeza da tempestade
a urgência da saudade
a agonia das crianças
a pressa dos desvalidos
a força dos amantes
o desespero do pio da coruja

Te espero
com a urgência da tempestade
a certeza da verdade
a inocência dos aflitos
a força das almas malditas
a pureza do pio da coruja
o desespero das manhãs
a grandeza das crianças
a pressa dos desgarrados.

(escrito por Zailda Coirano)

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